Não, Folha de S. Paulo, não
vivemos sob uma ameaça fundamentalista!
Por Gutierres Fernandes
Siqueira, do Blog Teologia Pentecostal.
Recentemente foi lançado no
Brasil o livro “Submissão” [1] do escritor francês Michel Houellebecq. Nessa
ficção, a França passa a ser governada por um fundamentalista islâmico
populista no ano de 2022 e, consequentemente, passa a sofrer uma tirania de inspiração
religiosa. O livro causou polêmica na Europa e, como sempre, foi acusado de
islamofóbico e de incitar “discurso de ódio”. Todavia, como lembra a escritora
africana Ayaan Hirsi Ali, a expressão “discurso de ódio” é “o termo moderno
para heresia. E no clima atual, qualquer coisa que faça os muçulmanos se
sentirem incomodados é rotulada de ‘ódio’” [2]. É uma ótima ficção que busca
provocar um debate sobre a compatibilidade das crenças do Islã com a cultura e
os valores liberais do Ocidente.
Bom, esse é o livro que o
jornal Folha de S. Paulo escolheu para retratar o momento político do
Brasil em um longo editorial neste domingo. Segundo o jornal paulista, nós
estamos vivendo na iminência de uma Irmandade Evangélica, ou seja, um jogo de
palavras para comparar os evangélicos aos radicais da Irmandade Muçulmana, um
grupo político forte no norte da África de inspiração fundamentalista. O Brasil
está sob uma perigosa ameaça conservadora que coloca em xeque os valores da
liberdade, segundo o jornal. Será?
O editorial é ofensivo aos
evangélicos. Em primeiro lugar, o fundamentalismo evangelical em nada pode ser
comparado com o fundamentalismo islâmico. O evangélico, por mais conservador
que ele seja, não tem espírito combativo e conquistador. O fundamentalismo cristão
é de natureza teológica e não impulsiona nenhum movimento político importante.
O Brasil já conta com uma população de 40 milhões de evangélicos e cada vez é
maior a garantia de liberdades aos diversos grupos de minorias. Além disso, o
crescimento evangélico em nada impede a constante secularização da população,
mas pelo contrário: o crescimento evangélico fortalece a secularização, isso
porque põe fim ao hegemonismo centenário da Igreja Católica Romana. Diferente
do islamismo, o cristianismo já provou mais de uma vez sua compatibilidade com
a liberdade e valores ocidentais.
Há sim alguns evangélicos
que acreditam em um Estado dirigido pelas leis divinas, mas eles são tão poucos
que não se pode levar a sério qualquer tipo de ameaça ao Estado liberal. Na
teologia chamamos esse grupo de “teonômicos”. Ora, é mais fácil achar um
evangélico viciado em heavy metal do que um crente na teonomia, A
maioria absoluta dos evangélicos sabe distinguir o papel do Estado e da Igreja,
mesmo sem uma cultura política avançada. O evangélico, também, vota mais ou
menos parecido com a média da população. E a população de maneira geral é
conservadora. Ou a Folha acredita naquele elitismo idiota onde ela
sabe o que a população deveria votar?
O editorial também acha um
absurdo citar a Bíblia para justificar alguma lei. Bom, normalmente tais
citações carecem de uma boa exegese, mas a Bíblia não pode ser resumida a
misticismos e mitos. A Bíblia em seus dois testamentos é o livro mais
importante do mundo, logo por que é crime contra a inteligência e a liberdade
citá-lo? Por que posso citar um paper de uma militante feminista e não posso
citar a Escritura? Os dez mandamentos, que está no segundo livro do Pentateuco,
é base importante da jurisdição judaico-cristã, logo não só do Direito Romano
vive a nossa lei. Não digo que deva ser a única e definitiva base, mas inegável
é a sua influência para o Ocidente. É com Cristo, e não com César, que
aprendemos que não podemos confundir o mandatário romano com o Senhor do
universo. O cristianismo é, por natureza, conflituoso com o Estado. E, toda vez
que na história o cristianismo casou com César, a própria mensagem cristã
sofreu prejuízos irreparáveis.
Portanto, caro jornal Folha
de S. Paulo, nós não vivemos sob uma ameaça fundamentalista. O Brasil, pelo
contrário, dá mostra de vigor democrático e avanço institucional ao eleger um
governo de esquerda e um congresso contido. E, nesse caso, os evangélicos
ajudaram a eleger tanto os “progressistas” como os “conservadores” . Viva a
liberdade, a liberdade de ser inclusive conservador!
Referência Bibliográfica:
[1] HOUELLEBECQ, Michel. Submissão. 1 ed.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. (254 p).
[2] ALI, Ayaan Hirsi. Herege: por que o
Islã precisa de uma reforma imediata. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2015. p 11.