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LIBERDADE RELIGIOSA: A DOUTRINA E O
PROSELITISMO EVANGÉLICO PENTECOSTAL FRENTE A PROPOSTA DO PROJETO DE LEI DA
CÂMARA FEDERAL Nº 122/2006
Dicesar Kühl,
acadêmico de Direito[1].
Resumo: O
Projeto de Lei 122/2006, que tramitava na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara Federal, tinha por objetivo criminalizar a
discriminação aos homossexuais e dava outras providências. Em que pese a
necessidade de o Estado garantir os direitos de todos os cidadãos, inclusive
homossexuais e evangélicos, este artigo discute a necessidade de lei ordinária
que regule a discriminação à comunidade homossexual e também as implicações
legais da norma em projeto. Apresenta as conquistas já auferidas na presente
Constituição e na legislação hierarquicamente submissa. Conclui pelo
cancelamento do projeto de lei e seu respectivo arquivamento, reiterando a
força da norma vigente para amparar todas as demandas da sociedade, notadamente
as de ordem dos direitos fundamentais do cidadão.
Palavras-chave: evangélicos,
homossexuais, liberdade religiosa, proselitismo, direitos fundamentais.
1 INTRODUÇÃO
É inegável a necessidade de se
amparar legalmente, principalmente no Estado democrático de direito, os
cidadãos que compõe uma sociedade plural, uma nação, na acepção do termo. A
garantia dos direitos e deveres fundamentais do cidadão e da coletividade está
amplamente contemplada na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 no Art. 5º, Título II, capítulo I (além dos direitos personalíssimos do Código
Civil e no Código Penal). Ali, nos incisos, encontram-se as garantias de
liberdade, igualdade, pensamento e segurança para as mais e menos
representativas parcelas da sociedade brasileira.
Há
que se estabelecer um equilíbrio de forças para atender o anseio da comunidade
homossexual por justiça e cidadania. Não se pode legislar em causa própria;
esta é uma tarefa do parlamentar, que trabalhará com um olho na segurança
jurídica e outro na manutenção da democracia. Sem dúvida é legítima a pretensão
dos homossexuais em acabar com o preconceito, a humilhação e a violência
sofrida por décadas de intolerância. Apesar de justa a luta, sempre haverá
discursos contrários, como esclareceu Michel Foucault em seu célebre “História
da Sexualidade” (Foucault, 2003, p. 96):
“É preciso admitir um jogo complexo e instável
em que o discurso pode ser ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e
também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma
estratégia oposta. O discurso veicula e produz o poder; reforça-o, mas também o
mina, expõe, debilita e permite barrá-lo. (...) o aparecimento, no século XIX,
na psiquiatria, na jurisprudência e na própria literatura, de toda uma série de
discursos sobre as espécies e subespécies de homossexualidade, inversão,
pederastia e “hermafroditismo psíquico” permitiu, certamente, um avanço bem
marcado dos controles sociais nessa região de “perversidade”; mas, também,
possibilitou a constituição de um discurso “de reação”: a homossexualidade
pôs-se a falar por si mesma, a reivindicar sua legitimidade ou sua
“naturalidade” e muitas vezes dentro do vocabulário e com as categorias pelas
quais era desqualificada do ponto de vista médico.”
Contudo, não obstante uma legislação
exemplar e abrangente, uma parcela da sociedade insurge-se no ímpeto de
conquistar direitos exclusivos, através de legislação complementar e com
requintes de cidadania qualificada acima dos demais cidadãos, no caso, os
homossexuais de todas as categorias e variantes.
Considerando que homens e mulheres,
brasileiros e estrangeiros, vivem sob esse céu e estão amparados pela
Constituição e por toda a legislação adjacente, e considerando que esta lhes
garante igualdade, liberdade de pensamento, liberdade de ir e vir e segurança
jurídica, acredita-se que nova legislação sobre o assunto não seja pertinente,
dada a redundância do tema e a possível inconstitucionalidade da norma.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
Necessário é que se entenda, lato sensu, o que são direitos
fundamentais: quais os princípios jurídicos que norteiam e que justificam estes
direitos. Ver-se-á, a seguir, uma brevíssima explanação dos conceitos que
englobam os direitos fundamentais. A partir do exposto, pode-se afirmar,
elementarmente, a existência de dois princípios que dão suporte à ideia de
direitos fundamentais: o Estado de Direito e a dignidade humana.
2.1. Dignidade humana
Há uma gama variada de valores que
norteiam a sociedade com relação à dignidade humana. Estes valores podem se
adequar à realidade e à modernização da sociedade, conforme sustenta Sarlet
(Sarlet, 2007, p.62):
[...] temos por dignidade da pessoa humana a
qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos.
Segundo verificou-se, não há
unanimidade entre os doutrinadores, mas a maioria concorda que os direitos
fundamentais tem origem na ideia de dignidade humana. Veja o que diz Maria
Helena Diniz quando se refere ao tema tomando como base a família (Diniz,
2007):
[...] é preciso acatar as causas da
transformação do direito de família, visto que são irreversíveis, procurando
atenuar seus excessos, apontando soluções viáveis para que a prole possa ter
pleno desenvolvimento educacional e para que os consortes ou conviventes tenham
uma relação firme, que integre respeito, tolerância, diálogo, troca
enriquecedora de experiência de vida etc.
Assim deriva a ideia de que a dignidade
humana é o alicerce sobre o qual repousam todos os direitos fundamentais
(Sarlet, 2004; Branco, 2007). Importante o contraponto de José Joaquim Gomes
Canotilho (Canotilho, 2007), que considera reducionista atrelar os direitos fundamentais
à dignidade humana, pois pode restringir a capacidade do alcance do tema.
2.2 Estado de Direito
Já o conceito de Estado de Direito
(CRFB 1988, art. 1º) está compreendido, em poucas palavras, como o Estado de
poderes limitados, por oposição ao chamado Estado Absoluto (em que o poder do
soberano era ilimitado). Esta definição é defendida por José Afonso da Silva (Silva,
2006), que adverte que o conceito clássico de Estado de Direito abrange três
características: a) submissão dos governantes e dos cidadãos ao império da lei;
b) separação de poderes; c) garantia dos direitos fundamentais.
Por aqui vê-se logo que o conceito
de Estado de Direito tem a consequência lógica
da existência dos direitos fundamentais. Assim, José Afonso da Silva prossegue
(Silva, 2006): “A concepção liberal do Estado de Direito servirá de apoio aos
direitos do homem, convertendo súditos em cidadãos livres”.
Agora que se conhecem os conceitos, vê-se
claramente que, no Brasil, a Constituição de 1988 contempla, já a partir do
preâmbulo, todas as garantias para a preservação da dignidade humana e o pleno
exercício da cidadania; assim prossegue através dos Títulos I (Princípios
fundamentais), II (Dos direitos e garantias fundamentais), VII (Da ordem
social) e VIII (Da educação, da cultura e do desporto).
Todas as pessoas, independente da
etnia, religião, gênero que vivem sob esse céu e se regem por esta constituição
estão cobertas pela magnitude da Constituição brasileira. É certo que a
constituição de um país é um organismo vivo, como diria Uadi Lammêgo Bulos
(Bulos, 2000), e está sujeita a sofrer alterações, transformações e
modernidades para atender as demandas da sociedade e do Estado, com a
obsequiosa excessão das cláusulas pétreas. Todos são iguais perante a lei, diz
o Artigo 5º da CRFB (1988), seja em relação aos direitos como em relação aos
deveres, sem distinção de qualquer natureza. Homens e mulheres, independente de
etnia, sexo, crença, pensamento e, embora não escrito mas implícito, opções de
gênero, tem sua liberdade assegurada na forma da lei e as suas violações serão
punidas de acordo com este código e leis adjacentes. Veja o que dispõe a CRFB
de 1988:
Art. 1º
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
II – a
cidadania
III – a
dignidade da pessoa humana
Art. 3º
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV –
Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º
A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
II –
prevalência dos direitos humanos
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
XLI – a
lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais.
Compreende-se, portanto, que a Carta
Magna cumpre sua nobre missão de acobertar sob suas letras todas as pessoas que
compõem a sociedade brasileira, dentro da confissão que confessem, sejam da
opção sexual que forem, sejam elas da etnia, origem ou filosofia que forem.
Todos, inclusive homossexuais e religiosos evangélicos, possuem deveres e
direitos amplamente cobertos pela magnitude da Constituição brasileira,
contemplada pelo respeito à dignidade humana e ao Estado de direito.
3 DIREITOS DOS
HOMOSSEXUAIS
Uma parcela da sociedade brasileira,
composta por homossexuais, simpatizantes e alguns grupos defensores dos
direitos humanos, irrompe o cenário político nacional na tentativa de fazer
aprovar um projeto de lei que criminalize a discriminação ao homossexualismo, o
Projeto de Lei 122/2006. Conforme afirma Pereira (2009):
Este
Projeto pretende tornar crime toda e qualquer manifestação contrária à conduta
homossexual [...]. O Brasil tem tentado de diversas formas criminalizar a
homofobia, tendo apresentado projeto de regulamentação do assunto na Comissão
de Direitos Humanos da ONU, onde somente foi rejeitado em virtude da votação
contrária em massa pelos cerca de 60 países mulçumanos. Como não obteve êxito
na ONU, o Brasil apresentou o mesmo projeto na OEA – Organização dos Estados
Americanos, que ainda está sendo discutido.Com essas duas propostas o Governo
Brasileiro tenta incluir a questão da homossexualidade no rol dos direitos
humanos, e uma vez aprovadas tais propostas, a legislação interna terá que se
adaptar, diante da previsão constitucional de que tratados internacionais que
tratem de direitos humanos passe a integrar a Constituição.
Historicamente, o legislador
brasileiro ocupou-se apenas relativamente dos direitos de grupos específicos,
como os dos índios, e só recentemente se mobilizou em favor destes, incluindo
as mulheres, as crianças e os idosos. Atualmente, o Brasil é signatário de
convenções internacionais em favor de minorias e tem por dever de Estado
defender os direitos destes, inclusive dos homossexuais. Veja o que dizem Luciano
Mariz Maia e Carmem Lúcia Antunes Rocha (2010) em artigo publicado na Série
Cadernos do CEJ, 24:
Tudo
que o Professor Thornberry disse sobre direitos humanos em geral e direitos das
minorias, em especial no âmbito universal da ONU, aplica-se às minorias
brasileiras, porque o Brasil assinou todos esses tratados internacionais e,
portanto, faz parte do direito das minorias no Direito brasileiro. [...] No
Brasil, por minoria, entendemos, em regra geral, os índios com muita clareza.
Os negros e o movimento negro, sendo 45% da população brasileira, consideram
que a abordagem não deva ser de direito das minorias, mas de uma outra forma de
partilha dos bens e dos recursos na sociedade, ou seja, uma outra forma de
organização social que seja mais igualitária, mais justa, realizando justiça
social. [...] No Brasil, já reconhecemos com mais facilidade do que as Nações
Unidas que os direitos das minorias são coletivos, direitos que pertencem ao
grupo, sem prejuízo de que cada membro da comunidade também seja titular desses
direitos.
No cenário mundial o assunto é
controverso, tendo alguns países mais liberais se manifestado a favor da
criminalização da discriminação do homossexualismo, conforme relata Hudson de
Lima Pereira (2009), e outros contra:
A
questão da homossexualidade vem sendo tratada de forma diferente nas legislações
dos diversos países. Alguns, como a Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá e África
do Sul adotam uma postura liberal, reconhecendo o direito de homossexuais oficializarem
as suas uniões, através de casamentos. Outros como a Inglaterra, Uruguai e
Guiana Francesa admitem a formalização de um contrato semelhante ao do
casamento, apesar de não se poder utilizar o termo casamento. Nesses países
mais liberais a homofobia é tratada como crime e pode gerar processos criminais
e pedidos de indenização.
Outros
países tratam a homossexualidade como sendo um crime, e qualquer manifestação
pública ou o chamado “assumir que é gay” é tido como crime sujeito a prisão,
prisão perpétua, castigos e até à morte, como é o caso do Irã, Arábia Saudita,
Emirados Árabes, Paquistão e Índia.
No
Brasil, a inexistência de leis específicas que assegurem os direitos dos
homossexuais, como por exemplo, casar, adotar crianças, cadastrar companheiro
como dependente junto à previdência social, direito de herança (Pereira, 2009),
vem sendo compensados com decisões favoráveis dos tribunais
(jurisprudência) aos pedidos das partes
interessadas. Este é um passo importante no sentido de entender que os
homossexuais, grupo integrante das chamadas minorias, estão gozando plenamente
dos direitos e deveres assegurados a todos os cidadãos na Constituição.
4 DIREITOS
DOS CRISTÃOS EVANGÉLICOS
Os
cristãos evangélicos tradicionais (protestantes, batistas, presbiterianos,
menonitas), os pentecostais (assembleianos, quadrangulares, congregacionais, brasilparacristo)
e os neopentecostais (universais, mundiais, internacionais, etc) possuem,
segundo crêem, uma missão em comum: anunciar o evangelho (boas novas) de Jesus
Cristo a toda a criatura, a fim de que a criatura se arrependa dos seus maus
caminhos (más escolhas do ponto de vista moral e ético) e volte-se para uma
vida piedosa, com vistas ao paraíso na eternidade. A grande bandeira dos
cristãos é a ressurreição de Cristo. Baseados nessas premissas, os crentes
saíram mundo afora pregando o evangelho.
Além
dos ensinamentos de Jesus, registrados nos quatro evangelhos da bíblia cristã,
os cristãos possuem um segundo grande mentor espiritual e de grande envergadura
teológica: o apóstolo Paulo, contemporâneo de Jesus Cristo. Paulo, ao contrário
de Jesus que não deixou textos escritos, redigiu (com o auxílio de amanuenses) cartas
apostólicas dirigidas aos crentes de diversas localidades, cartas estas que
foram absorvidas pela cristandade de um modo geral como tratados teológicos ou,
mais simplesmente, como um manual de práticas cristãs. Segundo o apóstolo
Paulo, os cristãos deveriam ser observadores de inúmeros preceitos religiosos,
morais e éticos, além de rejeitar práticas consideradas não-espirituais e
anti-cristãs. Alguns destes preceitos vão de encontro direto ao homossexualismo,
provocando controvérsias, como as que seguem (Scofield, 1993):
Não erreis: nem os devassos,
nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os
ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os
roubadores herdarão o reino de Deus.1 Coríntios 6:10
Para os devassos, para os
sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros,
e para o que for contrário à sã doutrina,1 Timóteo 1:10
Outro apóstolo, de nome João, ao
escrever o chamado Livro do Apocalipse, firma a posição doutrinária em relação ao
homossexualismo (Scofield, 1993): “Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e
os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e
comete a mentira. (Apocalipse 22:1)”. Não à toa vê-se os evangélicos a brandir a
Bíblia numa mão e a Constituição brasileira na outra, exigindo o direito que
lhes assegura liberdade de culto religioso e liberdade de expressão, bem como liberdade
de pensamento (Brasil, 1988):
ART. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI – é inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Como
poderão os homossexuais sustentar a argumentação de homofobia quando o texto
constitucional dá garantias de liberdade religiosa e a preservação de locais de
culto? Há que se registrar ainda o contido no Código Penal, acerca das
garantias legais de manifestação religiosa em solo brasileiro (Brasil, 1942):
DOS
CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO
Ultraje a culto e impedimento ou perturbação
de ato a ele relativo:
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente,
por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou
prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto
religioso:
Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano,
ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência,
a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
Sendo
o Brasil um país signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda
pode-se registrar o contido na referida declaração (ONU, 1948):
Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à
liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a
liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância,
isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à
liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e
idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX - 1. Toda pessoa tem direito à
liberdade de reunião e associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a
fazer parte de uma associação.
Os
evangélicos não tiveram vida fácil em um país católico como o Brasil. Depois de
inúmeras tentativas ao longo dos séculos XVI ao XVIII de adentrar solo
tupiniquim, os protestantes europeus, principalmente ingleses, obtiveram êxito de
se estabelecer e evangelizar somente com a chegada da real família portuguesa
no século XIX. Notadamente por força de tratados bilaterais entre Portugal e
Inglaterra, ainda que com importantes restrições, como demonstra Azevedo
(2004):
Perfeita liberdade de consciência e licença
para assistirem e celebrarem o serviço divino em honra do Todo-Poderoso Deus
quer seja dentro de suas casas particulares, quer nas suas igrejas e capelas,
(...) contanto porém que as sobreditas igrejas e capelas sejam construídas de
tal modo que extremamente se assemelhem as casas de habitação; e também que o
uso dos sinos não lhe sejam permitido para o fim de anunciarem publicamente as
horas do serviço divino, [comprometendo-se todos a] se conduzirem com ordem,
decência e moralidade e de modo adequado aos usos do país, ao estabelecimento
religioso e político.
Foi
só após o golpe militar de 1964, quando o governo necessitava de apoio
internacional, que os Estados Unidos, uma nação majoritariamente protestante,
vinculou ao apoio político uma distensão religiosa no Brasil, dando mais
liberdade à ação evangelizadora e cultural de seus missionários sob o pretexto
de reagir ao movimento comunista que estaria se fortalecendo no país. Assim
demonstra Zachariadhes (2009):
Um outro aspecto a ser considerado no
processo de legitimação do golpe de 1964 no bojo do “perigo vermelho,” foi a
guerra fria mantida pelos EUA e os países do bloco comunista. Os irmãos
batistas brasileiros tinham profundos laços espirituais e ideológicos com os
“irmãos da Outra América”. Os Estados Unidos, ferrenho opositor do socialismo e
mentor de vários golpes e governos militares na América Latina, também eram o
“berço do Evangelho”, a nação evangélica que mandava missionários filantropos e
bem intencionados para o território brasileiro.
Os
evangélicos brasileiros, principalmente os batistas, sempre primaram pelo bom
relacionamento com o governo da ocasião, jamais se insurgindo ou criticando drasticamente
as ações de seus ocupantes (Lima Junior, 2008). Essa atitude granjeou a
simpatia dos militares naquela ocasião e abriu portas para uma inserção mais
atuante dos evangélicos na política nacional. Em 1988, na promulgação da
Constituição Cidadã, a bancada evangélica era composta por trinta e dois
deputados federais, sendo dezoito pentecostais (Ramos, 2013).
O
movimento evangélico brasileiro está amparado constitucionalmente para
expressar sua fé e seu proselitismo cristão. Reitera-se que possuem um
histórico colaboracionista junto ao Estado, prezando pela ordem, família e
propriedade, dentro da ética protestante preconizada por Max Weber (Weber,
2006). Acerca desta última afirmação, veja-se como Catani resume a ideia do
pensador alemão (2003):
Para Max Weber, o capitalismo, como o vê
hoje, se constituiu a partir da herança
de um novo modo de pensar as relações sociais (as econômicas aí compreendidas). A idéia principal neste novo
modo de pensar refere-se à extrema valorização do trabalho, da prática de uma
profissão (vocação) para a busca da salvação individual. A criação de riquezas
pelo trabalho e poupança seria um sinal de que o indivíduo pertencia ao grupo
dos “predestinados”.
Assim,
cumpre-nos afirmar que os evangélicos pentecostais brasileiros estão seguros de
sua posição ante a sociedade, pois existe no texto constitucional e na
legislação adjacente amparo legal para a legitimação de suas atividades,
notadamente expressão de fé e proselitismo. Não há que se falar em prática
homofóbica, pois o que se rejeita é a escolha do cidadão pela homossexualidade
e não sua condição minoritária. Todas as pessoas, inclusive homossexuais, são
aceitas e benvindas junto ao rebanho cristão.
5 O
PROJETO DE LEI 122/2006
O
Projeto de Lei 122/2006, de autoria da deputada Iara Bernardi, do PT-SP, se
aprovado, irá interferir nos direitos fundamentais dos cristãos evangélicos
pentecostais em particular e no de todos os brasileiros em geral. Projeto
polêmico, visa alterar a Lei n° 7716/1989, que define os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor; dá nova redação ao § 3° do art. 140 do
Decreto-Lei n° 2848/1940 do Código Penal, e ao art. 5º da CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei n° 5452/1943.
O
Artigo 5º, incisos I ao VI, da Constituição brasileira, é cristalino quando
estabelece a liberdade de pensamento e de crença (Brasil, 2009):
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos
e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
A
Constituição da República Federativa do Brasil, como organismo vivo que é
(Bulos, 2000), admite a possibilidade de alterarações em seu texto, atendendo ao
chamado da sociedade, dadas suas transformações e modernidades. Esta
possibilidade está amparada pelo artigo 60 e possui enorme abrangência, porém,
não atinge as chamadas cláusulas pétreas, conforme dispõe o parágrafo 4º do
referido artigo (Brasil, 2009):
Art.
60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
…§
4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I
– a forma federativa de Estado;
II
– o voto direto, secreto, universal e periódico;
III
– a separação dos Poderes;
IV
– os direitos e
garantias individuais.
Ora,
os incisos do referido parágrafo são definitivos e não admitem sequer a
discussão de propostas de modificação. A liberdade de crença e o exercício dos
cultos encontram-se contemplados no Art. 5º da CRFB, que integram o inciso IV
do parágrafo 4º do Art. 60 desta constituição. O projeto de lei proposto pela
Deputada Iara Bernardi, em 2006, não tem possibilidade de prosperar pois contraria
o disposto nos direitos e garantias individuais estabelecidos na CRFB, os quais
fazem parte das cláusulas pétreas da constituição deste Estado. Assim também
entende Hudson de Lima Pereira (2009):
Importante observar que o direito de livre
expressão e de liberdade de crença é assegurado na Constituição, norma legal
superior, enquanto que a pretensão de criminalizar a homofobia está sendo
proposta (pelo menos neste momento) em legislação ordinária, isto é, de
hierarquia inferior à Constituição. Desta forma, devem prevalecer os preceitos
contidos na Constituição, sendo, inclusive, inconstitucional o Projeto de Lei
da Câmara 122/2006.
6 CONCLUSÃO
Se o Projeto de Lei 122/2006 fosse aprovado
nos termos em que se encontra, poderia contribuir de modo significativo
para atender os anseios da comunidade homossexual, porém iria contrariar os
preceitos dos direitos fundamentais previstos na CRFB de 1988, atingindo,
ainda, as doutrinas cristãs acerca da homossexualidade. Impediria, assim, que
os evangélicos se manifestem livremente sobre o tema, sob o risco de ir parar
na cadeia. Assim, o PL 122/2006 possui elementos que, uma vez colocados em
prática, impediriam um cristão evangélico de se manifestar publicamente,
através de uma fé que condena o homossexualismo. O cidadão que discorda do
comportamento homossexual não pode simplesmente ser criminalizado, e nem mesmo
o fato de alguém considerar a homossexualidade pecado deve ser encarado como
atitude discriminatória, já que a todos é assegurado o direito de crença e de
praticar a sua religião.
Todos os brasileiros e as demais
pessoas que vivem sob esta constituição estão amparados por ela: homens,
mulheres, idosos, crianças, negros, índios, ricos, pobres, heterossexuais ou
homossexuais. Todos tem liberdade de ir e vir, tem liberdade de acreditar no
que escolherem acreditar, optar pelo que querem optar e cultuar o que quiserem
cultuar sem serem importunados. Caso sejam aviltados no seu direito, pode-se
sempre recorrer às raias da justiça, sem a necessidade de nova legislação
ordinária que regule os direitos fundamentais. Afinal, eles já existem e estão
contidos na Constituição da República Federativa do Brasil.
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